(Imagem retirada do site: https://alpenews.al/ikin-si-emigrant-ne-greqi-por-kur-kthehen-dy-te-moshuarit-shtepise-i-kishte-rene-bomba/)
Faço o sinal com a mão, o ônibus
para. As portas abrem e junto com elas o sorriso do motorista, que mesmo após
horas de trabalho cumprimenta cada passageiro com a mesma alegria. Eu entro,
pego o bilhete único na bolsa. O chip não está funcionando direito, por isso já prevejo
o olhar crítico do cobrador ao ver que para passar no leitor eu preciso dobrar
o cartão como se fosse parti-lo em dois.
Após passar a catraca começa a
missão, encontrar um banco vago. Gosto de sentar na janela, nos bancos de cima,
principalmente do lado esquerdo, porque na volta da faculdade a vista da ponte
pinheiros é linda, ainda mais quando o sol está se pondo. A luz que reflete nos
prédios espelhados, a cor do céu que ora é rosa, ora é laranja, e quando não
consegue decidir, resolve ser os dois. Aquele degradê de cores é encantador,
várias vezes anotei mentalmente “preciso tirar fotos dessa vista algum dia”,
mas eu vivo adiando esse dia. Sabe, né? Procrastinação, a doença da minha
geração.
Vez ou outra observo os passageiros
do ônibus, é engraçado criar uma história para eles. Como o casal de senhores que
observei um dia desses, estavam sentados na minha frente, discutindo sobre qual
era o ponto certo para descer.
“Mulher, tô dizendo, depois da
ponte a gente dá sinal! O menino disse que é onde todo mundo desce” ralhou o
senhor impaciente. Na história que criei para ele, o apelidei de Seu Zé. Decidi que Seu Zé é do
interior, talvez por causa do seu R retroflexo, ou porque as roupas que ele
usava pareciam muito com as do meu avô, que mora na região oeste de Santa
Catarina.
“Você tem certeza? E se a gente
se perder?”, questionou preocupada dona Tereza, por razões que desconheço, lhe
atribui esse nome. Dona Tereza tem cabelos castanhos com alguns fios brancos,
usava saia longa preta e um casaquinho verde de tricô, no seu colo segurava uma
bolsa e um guarda-chuva.
Seu Zé não respondeu à pergunta,
não sei se porque não queria ou porque não sabia respondê-la. Por uns dois
minutos eles ficaram em silêncio, até que Dona Tereza se levantou e caminhou em
direção ao cobrador.
“Volta aqui, mulher, eu sei o que
tô dizendo!”, gritou Seu Zé, indignado com a desconfiança de Dona Tereza. Ela o
ignorou, imagino que já o faça há anos. Os dois estão prestes a completar bodas
de ouro, e nessa uma vida inteira juntos já discordaram tantas vezes que virou rotina. Seu
Zé reclama. Dona Tereza dá as costas, faz do jeito dela e quase sempre está
certa. Quase sempre...
“Moço, o ponto do metrô é qual?”
“É depois da ponte, minha senhora”
Dona Tereza volta para o banco.
Seu Zé depois de tantos anos de casado aprendeu que “eu te avisei” não é a
frase certa a se dizer para quem está segurando um guarda-chuva daquele
tamanho. Ele se contenta em saber que está certo, afinal uma das coisas que fez
com que se encantasse por Dona Tereza é seu jeito cabeça-dura de ser. “Ela é de
touro”, sua filha diz. Ele não entende o que significa, mas supõe que tenha
algo a ver com teimosia.
“E então?” Seu Zé pergunta com um
sorrisinho no rosto, fingindo que não ouviu.
Dona Tereza não responde, mas já
está quase na hora de descer, ela levanta e dá o sinal.
“Vamos, é depois da ponte.”.
- 18:14
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